20.3.12

o cara viu filme demais...

leo é das pessoas que mais lê que eu conheço. e lê tanta coisa legal. tá, ele lê umas coisas meio mundo cão, assim como alguns filmes. que me deprimem nos domingos a tarde. mas ele fica lendo e não me dá atenção, de modo que eu leio junto, só que eu sempre pego no meio e fico querendo tirar dúvidas. sabe gente que não assiste novela mas que quando vê quer entender tudo? eu e os livros de leo. aí ele deixou um dos livros aqui, pra ver se eu sossegava. e tou eu lendo charles bukowski. cartas na rua. e quis dois trechos aqui, que são d'um tanto esclarecedores...


ela não era uma policial de verdade, fazia um trabalho burocrático na polícia. e começou a voltar para casa e me contar sobre um cara que usava um alfinete de gravata roxo e era um 'verdadeiro cavalheiro'.
- ah, ele é tão gentil!todas as noites tinha de ouvir notícia dele.
- bom - eu perguntava -, como estava o nosso velho de alfinete roxo esta noite?
- ah - ela dizia -, sabe o que aconteceu?
- não, baby, é por isso que estou perguntando.
- ah, ele é tão cavalheiro!
- está bem. está bem. o que aconteceu?
- sabe, ele tem passado por tanta coisa!
- imagino.
- a esposa dele morreu, sabe...
- não, eu não sabia.
- não seja tão irônico. estou lhe dizendo, a esposa dele morreu e isso lhe custou quinze mil dólares em medicamentos, hospital e serviço funerário.
- muito bem. e daí?
- eu estava vindo de um lado do saguão. ele de outro. a gente se encontrou. ele olhou para mim e, com um sotaque turco, ele me disse: 'ah, você é tão linda!'. e sabe o que ele fez?
- não, baby, me diga. diga de uma vez.
- me beijou na testa, bem de leve, sempre bem de leve. e então ele seguiu em frente.
- posso dizer uma coisa sobre ele, baby. o cara viu filme demais.
- como você sabe disso?
- do que você está falando?
- ele é dono de um drive-in. ele o opera todas as noites depois do trabalho.
- isso explica tudo - eu disse.
- mas ele é tão cavalheiro! - ela disse.
- veja, baby. não quero te ofender, mas...
- mas o quê?
- veja, você veio do interior. eu já tive mais de cinquenta empregos, talvez mais de cem. nunca fiquei em nenhum lugar por muito tempo. o que quero dizer é que há um certo tipo de jogo praticado em todos os escritórios da américa. o pessoal se aborrece, não sabe o que fazer, daí começa a brincar de namoro de escritório. na maior parte das vezes não significa nada além de um passatempo. algumas vezes dão um jeito de combinar uma ou duas trepadas por fora. mesmo assim, é só um passatempo qualquer, como jogar boliche, assistir tevê ou ir à festa de reveillon em nova york. você tem que entender que não significa nada além disso e assim você não acabará se magoando. entende o que eu quero dizer?- acho que as intenções do sr. partisian são sinceras. - você vai acabar espetada por esse tal alfinete, baby, não diga que não te avisei. cuidado com esses elogios. são tão falsos como uma moeda de chumbo.- ele não é um farsante. é um cavalheiro. um verdadeiro cavalheiro. gostaria que você fosse um cavalheiro também.


[...]


telefonei para joyce.
- como estão as coisas com o alfinete roxo?
- não consigo entender - ela disse.
- o que ele fez quando você disse que havia se divorciado?
- estávamos sentados de frente no refeitório dos empregados quando contei a ele.
- o que aconteceu?
- ele deixou cair o garfo. ficou de boca aberta. ele disse: 'o quê?'.
- ele sabia que isso era coisa séria.
- não consigo entender. desde então ele vem me evitando. quando o vejo no saguão, ele foge. não senta mais comigo na hora das refeições. ele parece... bem, quase... distante.
- baby, há outros homens. esqueça esse cara. está na hora de partir para outro.
- é difícil esquecer ele. quero dizer, o jeito dele.
- ele sabe que você tem grana?
- não, eu nunca disse, ele não sabe de nada.
- bem, se você quer mesmo ficar com ele...
- não, não! não quero que seja desse modo...
- está bem, então. adeus, joyce.
- adeus, hank.

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